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Afrebras volta a reforçar pedidos de revisão do sistema tributário gaúcho

Entidade enviou ofício à Assembleia Legislativa do Estado a pedido do deputado Zé Nunes (PT-RS)

Por Braian Bernardo| 21/09/2020

Em ofício enviado, na tarde desta segunda-feira (21), à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil) reforçou a importância de revisões no planejamento tributário do setor de refrigerantes. O documento foi entregue três dias depois de o Estado desistir da reforma tributária atual, considerando iminente derrota do tema na casa.

A entidade destacou pontos do sistema tributário gaúcho que prejudicam a sobrevivência de pequenas e médias indústrias de bebidas regionais a pedido do deputado Zé Nunes (PT-RS). O parlamentar passou a apoiar debates sobre o tema depois de ouvir argumentos do presidente da Afrebras, Fernando de Bairros, e do diretor da Indústria Águas Minerais Sarandi, Jairo Zandoná, em reunião virtual da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo, na última quarta-feira (16). Na ocasião, os executivos expuseram problemas fiscais que afetam fábricas do setor de refrigerantes e o desenvolvimento do Estado como um todo.

No ofício, a associação, que representa mais de 100 fábricas de refrigerantes regionais, detalha prejuízos provocados pela distorção tributária e critica privilégios concedidos a multinacionais de bebidas, como Coca-Cola, Ambev e Heineken . Confira, abaixo, na íntegra, teor do documento:

A indústria de refrigerantes no Brasil, desde o começo, sofre com as diferenças tributárias que são aplicadas entre as empresas regionais e as multinacionais do setor. Essas discrepâncias prejudicam e tornam quase impossível que as empresas regionais sobrevivam no Brasil.

Dessa maneira, hoje existem apenas 13 indústrias regionais no estado do Rio Grande do Sul – antes eram 54 –, representando uma redução de 76% de empresas regionais, ou seja, mais da metade dessas empresas tiveram que fechar suas portas. Por isso, para impedir que mais empresas fechem suas portas, é necessário que o Estado passe a tratar o setor de refrigerantes, como um todo, igualmente, ao invés de beneficiar apenas as grandes empresas, que, em alguns casos, nem são brasileiras, em detrimento das empresas verdadeiramente nacionais e gaúchas.

Por isso, é necessário que se olhe três pontos do planejamento tributário, que afeta diretamente o setor de bebidas, são eles:

  1. Zona Franca de Manaus;
  2. Incentivos Estaduais;
  3. Legislação do ICMS.

 

  1. ZONA FRANCA DE MANAUS

Mesmo se encontrando a mais de 4.000 quilômetros do Rio Grande do Sul, o Polo Industrial de Manaus (PIM) afeta diretamente nas arrecadações do Estado. As empresas instaladas na Zona Franca de Manaus (ZFM) usufruem de diversos benefícios.

Porém, neste documento, iremos focar na redução de 90,25% do ICMS interestadual e os impactos que o não recolhimento do IPI causa aos cofres gaúchos.

Devido a essa redução, apenas em 2017, segundo dados da própria secretária de Fazenda do Rio Grande do Sul, o Estado deixou de arrecadar R$ 78.386.664,34 de ICMS com as compras de concentrados de refrigerantes advindos da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Essas compras são realizadas, única e exclusivamente, por multinacionais do setor. Assim, dos R$ 691.780.693,32 que o Estado arrecadou de ICMS do setor de refrigerantes em 2017, enfatizamos que a maior parte deste valor advém das empresas regionais do estado.

Além desta perda de arrecadação de 11,3% em relação às operações realizadas entre empresas do Estado, com empresas instaladas na ZFM, o Rio Grande do Sul e seus munícipios deixam de receber da União mais de R$ 35 milhões, segundo dados da Receita Federal em 2018, com a falta de recolhimento do IPI na ZFM.

Isso ocorre porque o IPI é um tributo com repartição constitucional entre estados e municípios via Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Dessa maneira, com o não recolhimento do IPI na ZFM, o Rio Grande do Sul deixa de receber de FPM R$ 27,05 milhões e de FPE R$ 8,82 milhões.

De acordo com a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul, a mudança de alíquota do IPI dos produtos classificados na TIPI 2106.90.10, de 20% para 4% do valor do crédito incentivado, produziria uma arrecadação de IPI de R$ 104.5 milhões, no caso das mercadorias destinadas ao Estado do Rio Grande do Sul.  Contudo, devido ao lobby das multinacionais instaladas em Manaus, o Rio Grande do Sul continua sem receber esse dinheiro.

  1. INCENTIVOS ESTADUAIS

Em relação aos incentivos estaduais, a nossa maior crítica é a falta de isonomia e publicidade dos mesmos. Vemos o Estado concedendo benefícios fiscais por CNPJ e não para o setor.

Essas ações prejudicam a livre concorrência do setor e colocam empresas multinacionais, que não precisam do incentivo do Estado, em situação de vantagem diante das demais empresas do setor e que são verdadeiramente nacionais.

Por isso, acreditamos que é necessário que seja feita a revisão de todos os incentivos fiscais concedidos pelo Estado. Caso novos benefícios venham a ser concedidos, eles precisam ser feitos para o setor como um todo, como ocorre no Estado de Minas Gerais, ao invés de individualmente, por CNPJ.

Além disso, antes de serem aprovados, esses benefícios e incentivos fiscais precisam ser debatidos amplamente com a sociedade civil organizada, mediante audiências públicas com amplo acesso dos interessados.

O desrespeito ao princípio da publicidade dos atos da administração pública, neste caso, pode ensejar um conjunto de responsabilidades gravosas em desfavor do agente público, a começar pela necessidade do estudo de impacto regulatório previamente à concessão de qualquer incentivo (Lei n. 13.874/2019).

  1. LEGISLAÇÃO DO ICMS

Os problemas ligados ao ICMS, em sua grande parte, ocorrem por causa do modelo de tributação conhecido como Substituição Tributária.

 O ICMS-ST foi criado com o intuito de evitar perdas de arrecadação e evitar a sonegação fiscal durante a cadeia de vendas. Todavia, ao olharmos os modelos atuais a substituição tributária não se sustenta mais, gerando assim uma oneração excessiva ao contribuinte substituto.

Desse modo, o ideal seria a exclusão deste modelo, visto que o Estado não sofrerá qualquer perca em sua arrecadação com o fim da substituição tributária. A substituição tributária é apenas uma forma de arrecadação, enquanto o tributo em si, que é o ICMS, permanecerá existindo inalterado. Logo, sua arrecadação continuará a ocorrer, apenas não será antecipada como é atualmente.

Além do mais, um dos argumentos usados para a manutenção da substituição tributária, que é o de evitar a sonegação fiscal, também não deve ser mais utilizada. Com o passar dos anos, outras maneiras foram adotadas para evitar a sonegação fiscal, como a criação Essa margem varia por Estado, e, no caso de refrigerantes, podemos ter MVA que variam entre 66% e 140%.

Entretanto, tal estimativa serve apenas para fim arrecadatório e não condiz com a realidade. Dessa maneira, essa base de cálculo também é problemática, inviabilizando lançamento de produtos, pela alta carga tributária; muitos pedidos de restituições de ICMS-ST pagas a mais pelos contribuintes substitutos; entre outros problemas.

Dessa maneira, tais bases de cálculo podem ser consideradas ilegais de acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento RE 593849 em repercussão geral. O STF decidiu que “é devida à restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

Na maioria das vezes, tal base de cálculo causa um recolhimento maior do ICMS-ST, pelo fato do mecanismo não corresponder ao valor real da operação, mais, sim, uma mera estimativa presumida pelo Estado. Assim, não levando em consideração que há diversas empresas dentro de um setor, como o setor de refrigerantes, e cada uma delas possui variações e diferentes tamanhos, não é justo que uma empresa multinacional e uma regional paguem o mesmo imposto, pois quem sairá prejudicado será a empresa regional, impossibilitando a livre concorrência.

É importante ainda ressaltar que a ideia do ICMS-ST e a prática do imposto “para frente” onera, de forma excessiva e desnecessária, o ramo industrial, pelo fato de que o empresário tem que pagar o imposto antes mesmo de receber pelos valores da venda, ficando todo o encargo tributário nas costas do empresário.

Por exemplo, tem-se o seguinte modelo: a empresa realiza uma venda de R$ 10.000,00, emite nota fiscal e paga os impostos devidos pela operação e os impostos “para frente”, hipoteticamente arbitrados em R$ 1.800,00, 30 dias depois, recebe pelo valor da venda. Logo, durante 30 dias o caixa da empresa terá um déficit de R$ 11.800,00.

Lembrando que, nesse caso, é o exemplo é meramente visual, sendo os prejuízos causados pelo ICMS-ST muito maiores para as empresas. Sem falar do caso da criminalização do ICMS pelo STF, causando um maior temor as indústrias. Teoricamente as empresas substitutas estão prestando um “serviço” ao Estado, pelo fato de recolherem o ICMS de toda cadeia produtiva.

Todavia, caso sofrerem com a inadimplência de um cliente, por exemplo, e isso cause o não recolhimento do ICMS (mesmo não tendo recebido ainda pela venda do produto), poderão ver seus administradores sendo responsabilizados criminalmente, sem que possam adotar em face dos substitutos nenhuma providência concreta.

Por isso, a importância do fim do modelo de tributação conhecido como Substituição Tributária.

CONCLUSÃO

Assim, Excelentíssimo deputado Zé Nunes, em um momento que o governo e a Assembleia Legislativa, representante do povo gaúcho, debatem uma alteração do sistema tributário do Estado, é necessário que os pontos expostos acima sejam levados em consideração.

Vendo a importância do tema e as exposições acima, consideramos que a realização de uma audiência pública, com a participação da AFREBRAS, ABIR, Secretaria de Fazenda do Estado, Secretaria da Indústria, Comércio, Turismo e Desenvolvimento Econômico e Procuradoria Geral do Estado, é importante para trazer transparência a este debate para que a população gaúcha tenha conhecimento sobre o assunto.

Nós, da AFREBRAS, gostaríamos novamente de agradecer o nobre deputado pelo espaço a nós concedido, assim como nos mostramos à disposição para participar de outros diálogos com o parlamento e o Executivo, para podermos mostrar a realidade e sugestões para a melhora do setor de bebidas regionais.

Respeitosamente, Fernando Rodrigues de Bairros, Presidente da Afrebras.