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ICMS-ST: alteração do momento do fato gerador gera tributação indevido

Artigo explica principais decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema

Por Mariana Santos de Abreu Lima, Consultor Jurídico| 21/12/2020

Em agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral (RE 598.677/RS), um decreto estadual do governador do Estado do Rio Grande do Sul que fixava a cobrança do ICMS para o momento da entrada das mercadorias no estabelecimento do contribuinte, e não das respectivas saídas, como estabelecido pela Constituição Federal.

O plenário da Corte Suprema considerou que tal alteração no sistema de arrecadação do ICMS somente poderia ser implementado mediante lei ordinária estadual, uma vez que se tratava de alteração da definição do momento da ocorrência do fato gerador do tributo. Embora o STF tenha analisado um caso específico do Estado do Rio Grande do Sul, sua aplicabilidade se estende aos demais Estados que adotam a tributação por antecipação por meio de decretos estaduais, como é o caso dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Alagoas e Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal.

Importa destacar ainda que, apesar de o STF ter julgado caso de antecipação do ICMS devido em operações próprias, igual exigência vem sendo adotada em casos de recolhimento de ICMS por substituição tributária (ICMS-ST). Tal exigência, contudo, se revela igualmente inconstitucional, nesse caso, em razão da necessidade da edição de lei complementar para disciplinar a matéria.

A posição do Fisco, até recentemente acolhida pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, era a de que o pagamento antecipado se relacionaria tão somente ao prazo de recolhimento do ICMS, hipótese em que seria legal e constitucional o disciplinamento por meio de decreto editado pelo chefe do Poder Executivo estadual. Contudo, no julgamento do RE 598.677/RS, o STF entendeu que, na realidade, a exigência do ICMS antecipado não constitui modificação do prazo para pagamento do tributo, mas, sim, modificação na definição do momento de ocorrência do seu próprio fato gerador, ou seja, do nascimento da obrigação tributária.

A Constituição Federal prevê, no artigo 146, III, “a”, a necessidade de edição de lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, assim consideradas aquelas que versam sobre os fatos geradores dos impostos. A interpretação mais adequada do dispositivo constitucional é a de que a exigência do pagamento antecipado do ICMS seja prevista em lei complementar, tanto em relação ao ICMS próprio, quanto ao ICMS-ST.

Contudo, no julgamento do RE 598.677, o STF entendeu que para o ICMS próprio seria necessária a edição de simples lei ordinária. Já para o ICMS-ST, o STF corretamente destacou ser necessário lei complementar. De toda forma, como os Estados regulam a matéria por meio de decreto do Poder Executivo, a exigência do ICMS nessas situações é ilegal e inconstitucional. O STF também destacou que não basta que a lei estadual delegue ao Poder Executivo a competência para regulamentar a matéria, sendo imprescindível a existência de lei.

Além da questão formal, as normas que estabelecem a exigência do pagamento antecipado do ICMS geram uma tributação generalizada na entrada, sujeitando os contribuintes a cobranças materialmente indevidas em várias operações. Em São Paulo, a lista dos produtos sujeitos ao recolhimento por antecipação é muito abrangente, alcançando mercadorias de empresas dos mais diversos setores.

Em relação a esses produtos, o Fisco entende que quando a mercadoria advém de operação interestadual, o recolhimento do ICMS próprio e do ICMS-ST devem ocorrer na entrada, sob a forma de pagamento antecipado (artigo 426-A do RICMS/SP), independentemente de haver ou não saídas futuras daquela mercadoria, sendo suficiente, aos olhos do Fisco, a mercadoria estar listada no artigo 313-A a Z20 do RICMS/SP.

Os Estados utilizam indevidamente a figura do fato gerador presumido relacionado à substituição tributária para o pagamento antecipado. Contudo, essa associação é ilegal e inconstitucional, pois gera para o contribuinte a obrigação de pagar o ICMS em relação a operações em que sequer é presumível a ocorrência do fato gerador do imposto (aliás, em situação cuja não ocorrência da circulação é certa e conhecida).

Vale citar aqueles casos em que as operações subsequentes na cadeia de circulação dos produtos estão abrangidas por alguma situação conhecida como “quebra de cadeia”, as quais encerram a cadeia de circulação da mercadoria e, portanto, não estão sujeitas à substituição tributária. Um exemplo são as saídas destinadas a industrialização: normalmente as legislações estaduais excepcionam essas saídas do recolhimento do ICMS por substituição tributária, pois a última etapa de circulação das mercadorias é a saída do estabelecimento eleito como substituto, já que na próxima etapa a mercadoria será industrializada.

Nesses casos, ao desconsiderar as exceções à substituição tributária, o Fisco acaba por impor, sob o manto do pagamento antecipado, a cobrança ilegal e inconstitucional do ICMS em relação a operação em que não ocorre a circulação da mercadoria. Dessa forma, tanto o ICMS incidente sobre operações próprias como o ICMS por substituição tributária, quando exigidos da forma antecipada, são formalmente ilegais por não estarem previstos em lei, como podem gerar tributação ilegal do ponto de vista material, por levar à cobrança do ICMS sem circulação de mercadoria em alguns casos.

Os contribuintes que estejam sujeitos à forma antecipada de recolhimento do ICMS têm o direito de contestar a cobrança, por iniciativa própria de forma preventiva no Judiciário ou como defesa em decorrência de eventual autuação administrativa ou execução fiscal.