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Multinacionais de bebidas deram rombo de R$ 24 bi, diz Receita Federal

Cifras são de 2017 a 2019; esquema de apropriação indevida continua a partir da Zona Franca

Por Cleomar Almeida| 08/06/2020

Fiscalização da Receita Federal identificou que multinacionais de bebidas, como Coca-Cola e Ambev, praticaram rombo de R$ 16,1 bilhões nos cofres públicos do país, em 2019, por aproveitarem créditos de incentivos fiscais indevidos a partir da Zona Franca de Manaus. O total da fraude chega a R$ 24,2 bilhões, considerando a soma dos últimos três anos. A Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil), que representa mais de 100 pequenas e médias indústrias do segmento, cobra do governo medidas para acabar com a farra tributária, que, segundo a entidade, massacra a livre concorrência.

Relatórios da Receita comprovam que tem aumentado o total da cifra de incentivos fiscais indevidos para as multinacionais de bebidas no Brasil. Em 2018, o valor foi de R$ 5,8 bilhões e, em 2017, de 2,3 bilhões. O próprio governo federal abre as portas para a concessão de realigas. Desde 1º de junho deste ano, conforme decreto do presidente Jair Bolsonaro, foi autorizado aumento de 4% para 8% na alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para as fábricas de refrigerantes da Zona Franca de Manaus. Essa medida vale até novembro.

Na prática, as multinacionais se aproveitam de uma interpretação da legislação para apropriarem crédito presumido de IPI. Até o ano passado, a legislação autorizava as empresas a aproveitarem um crédito presumido de IPI equivalente a 20% do preço pago na aquisição de insumos classificados como “concentrados” na Tabela de Incidência do IPI, desde que industrializados na Amazônia Ocidental com emprego de extratos vegetais regionais, mesmo sem o pagamento do imposto na origem.

No entanto, de acordo com relatório da Receita de 2019, a fiscalização do órgão constatou que as multinacionais de bebidas estavam aproveitando créditos incentivados indevidos, por não cumprirem as condições para a utilização do benefício. As grandes corporações atuam por meio de duas irregularidades. O documento do órgão não cita os nomes das multinacionais, mas elas são as corporações de bebidas com maiores unidades na região.

Segundo a Receita, a primeira irregularidade refere-se à classificação dos insumos que deram origem aos créditos. “O verdadeiro concentrado é um produto pronto para, mediante diluição, resultar na bebida final. A prática que foi adotada pelas empresas era de comercializar insumos menos completos, os quais não contêm todos os extratos e aditivos que devem compor as mercadorias classificadas como concentrados”, explica um trecho do relatório.

A outra irregularidade constatada, de acordo com a fiscalização da Receita, foi a ausência de emprego direto de extrato vegetal da Amazônia Ocidental durante o processo de elaboração dos insumos que geram os créditos incentivados. “Em função das irregularidades mencionadas, os valores de créditos do IPI aproveitados pelas empresas aumentaram artificialmente”, atesta a Receita.

>> Relatório Fiscalização da Receita 2017

>> Relatório Fiscalização da Receita 2018

>> Relatório Fiscalização da Receita 2019

No momento, de acordo com o órgão, estão em andamento 17 procedimentos de fiscalização, cujo objeto é classificação dos kits de concentrados e glosa de valores inseridos como crédito da Zona Franca de Manaus, em estabelecimentos do setor de bebidas. No total, foram realizadas 97 diligências no ano de 2019.

O presidente da Afrebras, Fernando Rodrigues de Bairros, cobra do Poder Executivo medidas urgentes para acabar com o que chama de “esquema fraudulento” das multinacionais de bebidas no país. “Manaus e todo o Brasil são prejudicados. Há uma falsa impressão de que a região é beneficiada, mas as grandes corporações nem geram emprego e renda na mesma proporção dos benefícios que conseguem”, afirma. “Essa situação toda é muito alarmante e lamentável”, destaca.

Entenda o caso

Desde 2018, executivos da Coca-Cola, Ambev e Heineken aumentaram ainda mais o lobby para pressionar o governo federal a manter os benefícios fiscais a partir da Zona Franca de Manaus. Naquele ano, decreto do então presidente Michel Temer determinou que, a partir de 2020, cairia de 20% para 4% a alíquota dos créditos de IPI recebidos por quem produz na região. A medida resultaria em R$ 800 milhões de receitas para a União neste ano.

No entanto, as multinacionais de bebidas viram em Bolsonaro a chance de reverter o decreto de 2018. Em 2019, o ministro Paulo Guedes chegou a criticar os benefícios para a Zona Franca de Manaus, mas as companhias com fábricas em Manaus tentaram convencer Bolsonaro a editar novo decreto e manter parte dos incentivos. Por isso, no ano passado, em meio às negociações da reforma da Previdência, o presidente cedeu à bancada do Amazonas e elevou os créditos para 10%, mas apenas até 31 de dezembro. Na virada do ano, passaram a valer os 4% previstos por Temer.

Em fevereiro deste ano, após intensa pressão das multinacionais, Bolsonaro editou o Decreto 10.254, permitindo o aumento de 4% para 8% na alíquota de IPI para as fábricas de concentrados de refrigerantes da Zona Franca de Manaus.