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Economista-chefe da XP investimentos pede união do setor contra aberrações tributárias
Por Zeina Latiff* , em artigo para jornal Estadão| 07/01/2020
Neutralidade, isonomia, simplicidade, transparência e capacidade de arrecadação são princípios básicos de um sistema tributário. Em que pese esses princípios serem, por vezes, conflitantes entre si, o fato é que o Brasil destoa da experiência mundial.
1) Neutralidade significa a tributação não contaminar as decisões de investimentos. No entanto, no Brasil, as distorções do sistema fazem com que empresários invistam em atividades ineficientes, apenas para pagar menos impostos. O Simples, por exemplo, estimula as empresas a continuarem pequenas, uma vez que o aumento do faturamento implicaria migrar para outro regime, com maior complexidade e carga tributária. Muitas empresas aumentam. Zona Franca é exemplo de distorção a partir da concessão de renúncias fiscais a informalidade ou criam outro CNPJ. O resultado é um grande número de empresas pequenas pouco eficientes, prejudicando a produtividade da economia.
2) Isonomia significa que os iguais devem estar sujeitos à mesma carga tributária. Não é o que ocorre, por exemplo, na tributação de alguns profissionais. Como pontua Bernard Appy, um advogado que recolhe como pessoa jurídica no lucro presumido pagará muito menos impostos do que na carteira assinada. Menos ainda no Simples. Nesses regimes, o lucro obtido acima do estimado pela Receita Federal é isento de Imposto de Renda. Tampouco há isonomia entre empresas, pois a carga pode variar de acordo com o tamanho, a localização, o setor e o tipo de item produzido – o que também fere o princípio da neutralidade.
3) Simplicidade é artigo raro. O Estado patrimonialista (cada grupo busca seu benefício tributário), combinado ao hábito de protelar reformas (preferimos os “puxadinhos”), gerou um dos mais complexos sistemas tributários no mundo. Desde a Constituição, foram emitidas mais de 403 mil normas tributárias nas três esferas de governo, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Além das diferentes regras, há muitas obrigações acessórias (preenchimento de fichas).
O empresário nunca tem certeza se está cumprindo todas as obrigações. A insegurança jurídica é enorme e custosa. Os problemas começam já na dificuldade de interpretar as regras para classificação e enquadramento do bem ou serviço. Um exemplo singelo: há quatro tipos diferentes de feijoada para fins de tributação, segundo a Endeavor.
A substituição tributária do ICMS é um capítulo à parte. Os Estados exigem das empresas de alguns setores o pagamento antecipado por toda a comercialização posterior até o varejo. É o caso do setor de bebidas.
Depois vêm os problemas na apuração e pagamento. Há dificuldades para definir o que é insumo e, portanto, definir o crédito tributário, e para obter a restituição dos mesmos. Apenas alguns impostos geram crédito tributário, e de forma restrita. O resultado é a elevada cumulatividade, com imposto incidindo sobre imposto. Isso explica a carga tributária mais elevada da indústria.
Percorrido o labirinto, surgem as dificuldades na contestação, por conta das diferentes interpretações das regras por contribuintes, fiscos e Judiciário, havendo ainda morosidade na tramitação dos processos. Fora os setores em “zona cinzenta”, como os de tecnologia, gerando disputa entre os fiscos. O resultado é um exército de advogados e contadores, em vez de engenheiros e pessoal de TI para aumentar a produtividade.
Lorreine Messias e Larissa Longo apontam que as disputas tributárias totais equivalem a 73% do PIB. A título de comparação, o contencioso administrativo federal está em 16,4% do PIB, ante 0,19% na América Latina.
4) Transparência pouco existe, por conta de regras obscuras sobre os tributos devidos, assim como as incontáveis renúncias tributárias. Na esfera federal, elas totalizam mais de 4% do PIB; nos Estados e municípios, não há estimativas. Não há tampouco avaliação de impacto, sendo que muitas delas geram distorções, como a Zona Franca de Manaus (a produção está distante da oferta de insumos e da demanda do bem final), e injustiças, como as isenções de Imposto de Renda (beneficia os mais ricos).
5) A capacidade de arrecadação tem sido o princípio privilegiado pelo Fisco, por conta das despesas públicas crescentes. A saída oportunista tem sido onerar mais onde é mais fácil arrecadar, a tributar proporcionalmente a renda de cada um. Isso agrava a desigualdade e penaliza as empresas mais eficientes. Sem reformas estruturais para conter os gastos obrigatórios, não será possível reduzir a elevada carga tributária.
Este artigo está longe de exaurir o assunto. Temas como os elevados encargos trabalhistas e as injustiças sociais não foram abordados. E não há soluções fáceis tecnicamente. Não existirá tampouco uma reforma tributária ampla o suficiente para corrigir tantos problemas. Sendo os impostos sobre o consumo as maiores fontes de distorções, a criação do imposto sobre o valor agregado (IVA) – o regime que prevalece no mundo – em substituição ao IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS seria um passo importante para reduzir vários dos problemas acima.
Os empresários deveriam se unir em favor de reformas do sistema tributário. Porém, é difícil isso acontecer, pois há muitos interesses conflitantes. O varejo e os serviços, por exemplo, rejeitam o IVA, pois temem ter de pagar tributos como o restante da sociedade, e defendem a volta da distorciva CPMF para poder contribuir menos para a Previdência Social. Quanto vai ter de piorar para enfrentarmos esse desafio?
* Zeina Latiff é economista chefe da XP Investimentos