Brasília

-

Hoje

26ºC

19ºC

Amanhã

25ºC

19ºC

IBOVESPA | 0,75% (122.102,15 pontos)

Professor-doutor da PUC-SP critica regalias fiscais da Zona Franca

Ele explica a importância de cumprir cronograma previsto e manter a alíquota de IPI em 4%

Por Antonio Corrêa de Lacerda*, portal Terra| 28/01/2020

No imenso cipoal tributário brasileiro chamam a atenção algumas distorções que acabam passando ao largo, considerando a abrangência e a complexidade do tema. É o caso da tributação envolvendo os concentrados para fabricação de refrigerantes e o mecanismo que dá margem à geração de créditos a algumas empresas, em detrimento das demais, distorcendo o mercado e sem retorno para a sociedade.

Na semana que passou, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende promover um aumento da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de concentrados para a fabricação de refrigerantes para 10%, em vez dos 4% anteriormente previstos para vigorar em 2020. Ele declarou, ainda, que o governo pretende só retornar ao nível originalmente previsto, de forma gradativa, ao longo dos próximos anos.

Vale lembrar que, em maio de 2018, ainda no governo Temer, o Decreto n.º 9.394 promoveu a redução da alíquota de 20% para 4%, o que foi revisto em outros dois decretos subsequentes que definiram um escalonamento, de forma que apenas após 31/12/2019 a alíquota atingiria 4%.

A situação anterior à alteração mencionada propiciava um crédito expressivo de IPI aos compradores de concentrados de refrigerantes produzidos na Zona Franca de Manaus (ZFM). Na prática, as empresas envasadoras fora da ZFM, embora incorressem na alíquota de 4% de IPI na venda de refrigerantes, se creditavam de 20% na aquisição de concentrados. Essa situação lhes gerava um incentivo tributário distorcido, que prejudicava a livre concorrência de mercado. Estimamos que a alteração da alíquota de concentrados para 4% representaria um potencial aumento de arrecadação tributária da ordem de R$ 1,6 bilhão ao ano.

Além disso, algumas das empresas faziam uso de medidas de “planejamento tributário abusivo”, que se constituía no superfaturamento na venda e compra desses insumos com o objetivo de aumentar indevidamente os créditos de IPI, conforme apurado pela Receita Federal.

A manutenção da alíquota de concentrados em 4% não modificaria o conjunto de incentivos tributários previstos para a ZFM nem prejudicaria a preservação e a potencial ampliação da atividade produtiva de fabricação de concentrados de refrigerantes em Manaus, que responde por cerca de 800 empregos diretos.

Destaque-se que, do ponto de vista setorial, a atividade industrial na ZFM é bem diversificada. O setor de eletroeletrônico e bens de informática perfaz 49,3% do faturamento e 41,8% da mão de obra; o subsetor duas rodas, 13,3% do faturamento e 14,5% da mão de obra. Já a atividade de fabricação de concentrados de bebidas representa 10,6% do faturamento e apenas 0,7% do total de mão de obra no Polo Industrial de Manaus (PIM). Ressalte-se que, das cerca de 500 empresas habilitadas a desenvolver operações na ZFM, apenas em torno de 31 empresas são dedicadas ao subsetor bebidas não alcoólicas e seus concentrados.

Caso as características vigentes nos últimos anos se mantivessem, a tendência observada de fechamento de fábricas regionais tenderia a continuar e, consequentemente, a concentração de mercado, acentuando o quadro de oligopólio no setor. Apesar de as grandes empresas do setor de bebidas não alcoólicas gerarem uma quantidade considerável de empregos diretos e indiretos na região de Manaus, elas vêm promovendo, por outro lado, uma significativa redução de postos de trabalho em outras regiões do País, em montantes anuais que vêm a superar o total de empregos na ZFM.

O atual quadro fiscal brasileiro não deixa espaço para as distorções apontadas, apenas para uma pequena parcela de empresas que se aproveitam da vantagem, provocando distorções competitivas no mercado. Daí a importância de cumprir o cronograma previsto e manter a alíquota de IPI de concentrados em 4%!

* PROFESSOR-DOUTOR DA PUC-SP, SÓCIO-DIRETOR DA AC LACERDA CONSULTORES, É AUTOR DE ‘O MITO DA AUSTERIDADE’ (EDITORA CONTRACORRENTE, 2019)