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Empresas deixam de pagar R$ 25 bi em tributos, mas estado cresceu abaixo da média de 2002 a 2014
Por Cleomar Almeida| 26/06/2019
Apesar de ter quadruplicado seu custo de 2004 a 2014, a Zona Franca de Manaus (ZFM) não trouxe vantagem econômica ao Amazonas no período, em comparação com outros estados do país.
Os cálculos são dos economistas Philipp Ehrl, professor da Universidade Católica de Brasília, e Rogério da Cruz Gonçalves, que compararam por análise estatística indicadores econômicos e sociais, como PIB, valor agregado, renda, população, níveis de educação e de emprego, entre outros, entre 2002 e 2014.
“Os números do Amazonas cresceram, mas é preciso separar o efeito do programa daquilo que aconteceria de qualquer maneira. Se o país todo está crescendo, o custo dos incentivos fiscais pode não fazer sentido”, observa Ehrl.
O programa concede descontos fiscais à maioria das empresas instaladas na Amazônia ocidental. Neste ano, a União deve deixar de recolher R$ 25 bilhões em tributos (IPI, PIS/Cofins e Imposto de Importação) dessas empresas.
Esses recursos deixam de ser investidos pelos governos, por isso é importante entender se seu uso está trazendo mais ganhos em mãos privadas que nas públicas.
Como não existem dados para avaliar o desempenho do estado antes e depois da criação do programa, em 1967, o trabalho compara os indicadores amazonenses com os de outras UFs que não recebem incentivos federais.
Os gráficos mostram que, apesar dos subsídios, PIB, valor adicionado, renda, vendas e receitas tributárias do Amazonas cresceram em velocidade inferior aos da média dos outros estados tanto da região Norte quanto do Brasil.
Pelos cálculos dos economistas, um aumento de R$ 10 bilhões nos gastos com a ZFM reprime o valor agregado em 3,3%, e o PIB e a renda do Amazonas, em cerca de 4%, em relação às outras unidades federativas não beneficiadas.
A diferença é ainda maior na comparação com estados vizinhos da região Norte: o PIB amazonense cresce 7,3% abaixo, e o valor agregado, 7% abaixo de seus pares. A diferença de renda também é negativa, mas menor, de 1,3%.
O uso de benefício tributário em políticas regionais é menos eficiente que investir recursos orçamentários, diz o economista Bernard Appy, diretor do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal) e coautor de reforma tributária que tramita na Câmara (PEC 45).
Isso ocorre por dois motivos principais: 1) o escopo do que se pode fazer num programa de incentivo fiscal é mais limitado, e 2) desenvolvimento de longo prazo necessita de investimento em qualificação de mão de obra e infraestrutura, para o que subsídios não são o instrumento adequado.
O trabalho de Ehrl mostra que, embora o emprego tenha tido melhor desempenho no Amazonas em relação a outros estados, cresceu a parcela de trabalhadores de baixa escolaridade.
“É um indicador de que o modelo é ultrapassado, não serve para o futuro. As empresas compram peças e montam, e a tendência é automatizar. Esses trabalhadores são muito substituíveis por robôs.”
Segundo o economista, também é preocupante o crescimento da população, pela atração de migrantes, sem correspondente melhoria da infraestrutura urbana.
Outro trabalho dos autores sobre Manaus (que concentra os investimentos da ZFM) não identificou melhora em itens como alfabetização, cobertura de água encanada e de esgoto.
O debate público tem sido sobre crescimento e não sobre desenvolvimento, afirma. “Aumentar o PIB não é tudo o que importa, é preciso elevar o bem-estar.”
Para Ehrl, “é possível que, se os recursos tivessem sido investidos em educação, infraestrutura, saneamento e transporte nos últimos 20 anos, teriam beneficiado igualmente as empresas, mas também a população e o país”.
A pesquisadora do Insper e professora de direito tributário da FGV Vanessa Canado tem avaliação semelhante: “Numa Federação, desenvolvimento regional não pode ser feito à custa de outros entes. Só se dá incentivo específico se a empresa não fosse se instalar em outro estado”.
Em vez de guerras fiscais, diz ela, é mais eficiente criar fundos de desenvolvimento regional, condicionados ao investimento dos governos em qualificação de mão de obra. “Por exemplo, o Amazonas poderia capacitar o trabalhador para biotecnologia, explorando as vocações regionais.”
A região tem muito potencial não explorado, concorda Ehrl. “Instalar mais pesquisa e capital humano gera mais efeitos positivos.”
Se é menos eficiente para o desenvolvimento que o investimento direto dos governos
em infraestrutura e educação, por que, então, o benefício tributário tem sido a escolha nas políticas regionais?
“Porque as empresas se sentem mais seguras com os incentivos que com recursos orçamentários que podem ser contingenciados de uma hora para a outra”, diz Appy.
Políticas que dão tratamentos diferenciados aos contribuintes têm um outro custo, diz Vanessa Canado, que também é diretora do C.CiF.
Sempre que se cria uma diferenciação, necessariamente aumentam os contenciosos, as disputas na Justiça, diz ela.
“Todo gasto tributário —abrir mão de arrecadar impostos, como na ZFM— é um cálculo de escolha pública. É preciso trazer bem para a sociedade como um todo, não ganhos localizados.”
A falta de avaliações de impacto dessas políticas faz com que o discurso retórico prevaleça, em vez do conhecimento empírico, diz ela.
Com duração prevista até 1997, a ZFM tem sido prorrogada por leis específicas. A última, de 2014, adiou para 2073 o fim dos incentivos. Mas o modelo pode estar com os dias contados se a reforma tributária for aprovada pelo Congresso sem alterações.
Como acaba de forma progressiva com os atuais impostos, extingue também os benefícios fiscais. “Até mesmo porque será uma transição longa, é o momento ideal para discutir outras formas mais eficientes de induzir desenvolvimento regional”, diz Appy.
O governo atual estuda, por exemplo, desenvolver setores como turismo, biofármacos, mineração e piscicultura, no chamado Plano Dubai.
*Com informações da Folha de S. Paulo | Ana Estela de Sousa Pinto
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